quarta-feira, 28 de novembro de 2012

Falemos de filme... O Escafandro e a Borboleta

Por Sônia Pugas - Jornalista e mestranda em Marketing e Relações Públicas

 “Quem sou eu? Saindo de um frasco de formol?”. Essa seria uma frase comum não fosse pelo fato de seu autor não reconhecer-se diante da própria imagem refletida no espelho. Após três semanas em coma,  Jean-Dominique Bauby,  redator-chefe da revista francesa Elle,  aos 42 anos teve um AVC – Acidente Vascular Cerebral. Dono de uma carreira bem-sucedida, o Don Juan entre as mulheres não colecionou nenhuma derrota em sua vida pessoal ou profissional. Dessas surpresas que a vida nos presenteia, num passe de mágica,  Dominique é  homem prisioneiro do próprio corpo – síndrome do “lock-in”.

Em o Escafandro e a Borboleta, o diretor Julian Schnabel empresta a sua  sensibilidade ao penetrar no intrigante, obscuro/curioso mundo do AVC. É  por meio de uma câmera “colocada” no olho esquerdo de Jean-Dominique – personagem principal,  que o telescpecator literalmente acompanha a evolução dele  sob este ângulo. Uma cirúrgia no olho direito é precisa e igualmente impactante, pois não há como deixarmos de ser Dominique por alguns minutos. A partir dessa cena,  o raio de alcance de visão do personagem  é apenas até onde o olho alcança. 


Foi desta forma que Dominique acordou para o mundo: em memórias e pensamentos, numa cama de um hospital naval, cercado por médicos e enfermeiras, estes dispostos a  investir seus conhecimentos e técnicas e até realizar experimentos provenientes da desgraça do jornalista.

A primeira piscadela de Jean-Dominique já é um convite ao telespectador a questioanar-se:"o que eu faria numa situação dessas? Mas como fazê-lo pois não posso falar e nem ser ouvido?" 

Schnabel foi sensato em apostar na voz em off do personagem principal e da forma como o filme nos foi apresentado.  É  pela perspectiva de como Dominique observa o mundo à sua volta, que o telespectador imediatamente coloca-se no lugar dele. Preso no escafandro mas  consciente do mundo exterior,  Dominique sabe que,  o que o mantêm vivo são as memórias e a imaginação.

É no esforço médico da fonaudióloga Henriete que o personagem deposita a solução para o problema. A profissional é dedicada e  sente-se envaidecida em desenvolver o método da “fala pelos olhos” e “reinventando” o alfabeto frânces. Uma piscada de olhos para “sim”, duas para “não”. Já na primeira oportunidade, ele  usa da racionalidade e faz um pedido. Esta talvez seja uma das cenas mais fortes do filme.

Jean-Dominique surpreende-se com a reação de Henriete, e entende que existem duas opções a seu favor: entregar-se ou ir  à luta. E é  a partir dessa vontade de dar asas à borboleta que o filme alcança o seu clímax. Passada a fase de “aceitação”, ele nos dá um puxão de orelha ao decidir escrever um livro de memórias que intitula o nome do filme.  

Entre páginas escritas e divagações, Dominique mostra a sua vida antes de tornar-se prisioneiro do próprio corpo. Boa parte do filme é narrado em Frânces pela voz grave e suave do personagem. Uma fórmula ótima de torná-lo mais interessante e menos cansativo. O  sarcasmo exacerbado é nítido em muitos pontos do monólogo. O diretor mostra um personagem humano porém sem auto-piedade. Jean é alguém que ri da própria desgraça. Senso de humor e arrogância são temperos excelentes que deram uma pitada ao script. Embora fiel a ele, a ex-esposa sofre com a lascividade do mesmo. Pois ninguém melhor que ela, para entender o que aquele olho muitas vezes tenta dizer. A raiva e inoperância são evidentes quando fala da  impotência diante de uma mosca pousada no próprio nariz, ou ao irritar-se com o amigo Laurence por não saber como lidar com ele. “Idiota”, diz.

A fotografia do Escafandro e a Borboleta soma-se à magia do roteiro. O polonês Janusz Kaminski não economizou imaginação apresentando cenários maravilhosos com recursos de câmera vista pelo olho esquerdo de Jean. Às vezes paisagens embaçadas, outras vezes borradas, turvas, mas  igualmente belas. É na praia onde a borboleta sai do casulo e sente-se mais inspirada para narrar passagens do livro.  É nela onde Dominique lembra-se de coisas simples da vida que foram esquecidas nos tempos agitados de editor,  como aproveitar o  Dia dos Pais com os seus filhos, e lembrar-se da convivência com o próprio pai.
            
O Escafandro e a Borboleta não é apenas um filme. É uma lição de vida, de superação, amor,  de doação, de paciência, de entender, de aceitar e respeitar. O filme faz o seu papel primário que é o de transformar de forma positiva quem o assiste. Superação é o que resume a mensagem principal narrada de forma esplêndida pelos olhos de Jean-Dominique Bauby.

Ficha Técnica

Ator Principal : Mathieu Amalric
Diretor:  Julian Schanabel
Fotografia: Janusz Kaminski
Fotos: Google Imagem


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