Hoje falo de Sidney

Sidney ao lado da Seila(2 e/d) aos 16 anos

Hoje falo de Sidney, meu irmão caçula. Atenho-me à nossa infância – ele com o título oficial de caçulinha dos homens e das mulheres, eu apenas desta última. A nossa diferença de idade é de quase três anos.

Éramos 13 irmãos, mas convivi com apenas 10 deles, os outros vieram e foram antes de mim. Graças a Deus! Perdoe-me pela frieza, mas sempre me revolto ao ver muitos filhos oriundos de pais sem condições para dar uma vida decente, digna aos mesmos. Depois ainda agradecem a Deus pela cesta básica que recebem! Arghhhhh!!!

Entre os meus irmãos fomos “divididos” em grupos. Os mais velhos e os mais novos. O meu grupo era Silvano – o meu pai herói apesar de ser mais ‘nó cego’ – Seila, Sandro e Sidney.

Por motivos de miséria mesmo, sem pai presente, os homens foram trabalhar em garimpos, e as mulheres nas casas alheias – faxinar, ser empregada doméstica e em troca tinham comida, casa, e “estudos” – escravidão disfarçada de ajuda.

Eu, Seila, Sandro e Sidney éramos felizes na infância. Tínhamos as nossas brincadeiras de casinha, pique-esconde, criar nossos brinquedos com mangas verdes e pequenas. Tudo que caia em nossa mão virava alguma coisa útil. Nunca tivemos um brinquedo desses que compram em qualquer loja. Pobreza demais, demais, demais. Às vezes nem eu acredito como sobrevivemos e estamos aqui...

Seila assim que completou 13 anos seguiu o caminho das irmãs, empregada doméstica em Goiânia. Permaneci em Porto Nacional com meus irmãos, que eram os meus parceiros, esperando a hora certa para também ir faxinar. A Maria Machadão fazendo tudo que menininho faz. Eu sempre a tira-colo com o Silvano e levando o Sidney comigo... Pescarias, banhos no Rio Tocantins, brincadeiras como queimada e bete. Toda comida que eu tinha, dividia com eles. Lembro que uma vez ganhei uma balinha, e a reparti em cinco pedacinhos – irmãos e mãe... Uma das sábias lições que a pobreza nos ensina é dividir!

Eu, aos 12 anos

12 anos – minha idade chegou. Vez de sair de casa, abandonar o que eu já não tinha e ficar longe dos meus irmãos. Fui sem querer. Como eu reclamava muito da ausência do meu pai, minha mãe fez minhas malas e me mandou para o mundo. Eu não tive opção.

A essa altura, Silvano tinha conflitos homéricos com minha mãe. Acho que ele a odiava. Ele só queria curtir a vida. Não trabalhava. Roubava as coisas da minha casa e dizia que ladrão tinha entrado lá. Era um típico “bon vivant”. Sem stress ou compromissos sérios com a vida, com as pessoas. Mas nada de errado que ele fazia me importava, pois ele foi o pai que eu não tive. Bom ou ruim, foi com ele que aprendi muito do pouco que sei hoje.

Seila está com 36 anos; Sandro, 33. O Sidney faria 31 anos. Infelizmente ele foi assassinado aos 16 anos, no auge da vida! Eu tinha19 anos na época, mas é como se fosse ontem. O que eu vivi com o Sidney foi intenso e marcante. Lamento não ter ficado mais tempo com ele, mas não tive escolha. Dói em mim não saber como é a voz dele aos 31 anos. Não ver os dentinhos dele sobreposto rindo para mim com o olhinho fechado. Dói para mim não entender o porquê de terem o assassinado. Dói mais ainda uma pessoa do júri popular absolver um assassino confesso... Tudo dói, dói e dói... Apesar da dor que sinto, sempre celebro à minha maneira o seu aniversário.

O Silvano morreu afogado três anos antes do Sidney. Até hoje não entendo a tal permissão divina e porque isso acontece na maioria das vezes com quem é pobre e já com histórico de sofrimento. Odeio quando falam que foi a permissão de Deus, pois isto me afasta  d’Ele!

Meus irmãos foram enterrados, ao lado deles todos os meus questionamentos e um pouco da minha fé... A morte do Sidney é uma resposta que quero ouvir do próprio Deus olhando nos meus olhos...

Feliz Aniversário Sidney!!!!